domingo, 18 de agosto de 2013

A irresponsabilidade de um deputado em tempos de crise

FOI ABSURDO E IRRESPONSÁVEL o discurso do deputado da Renamo, principal partido da oposição em Moçambique, que em pleno debate na Assembleia da República, instigou o Governo a disponibilizar uma verba à população para a compra de instrumento de massacre aos malfeitores.

José Samo Gudo argumentou que “dada a incapacidade demonstrada pela Polícia em prevenir o crime, o Governo deve alocar uma verba para as populações (...) puderem comprar catanas, machados, enxadas, apitos” de modo a fazerem face aos gatunos e pagar “salários para os escalonados nas rondas nocturnas.”

Em outras palavras, o que o parlamentar pretende, perante o avalanche de criminalidade que assola a capital moçambicana, é que a população opte por fazer ela própria a sua justiça, linchando os malfeitores. E isso vindo de um deputado revela uma irresponsabilidade e, até certo ponto, imaturidade de um partido que se intitula pai da democracia em Moçambique e legítimo representante do povo.

Existem algumas verdades no discurso de Samo Gudo. A primeira é que realmente existem bairros que estão a viver um tremendo terror, causado pelos meliantes que adoptaram uma nova forma de actuação: invadir as casas violar sexualmente as vítimas e engoma-las com ferro (esta última ainda sem testemunha) e cometer todo tipo de atrocidades desumanas contra cidadãos, muitas vezes indefesos. Tudo com o propósito único de se beneficiar de bens alheios.

É também uma verdade irrefutável que a Polícia está a fracassar no seu dever de proteger os cidadãos e combater o crime. Infelizmente, esta segunda verdade não constitui novidade para nenhum cidadão genuinamente moçambicano.

A terceira verdade é que a Parlamento devia, sim, se pronunciar perante este cenário desolador e de insegurança resultante do abandono da população por parte de quem tem o dever de a proteger, afinal pagamos impostos para que nos seja garantida a segurança e não sermos nós a fazer o trabalho da polícia na caça aos gatunos.

Mas daí um deputado propor que a população faça justiça pelas próprias mãos, tal como ficou explícito no discurso de Samo Gudo, a situação ganha contornos de “politiquice baixa” em tempos de crise. Um discurso desarticulado de qualquer interesse pelo bem estar das pessoas e construção de um Estado de direito. Para além de que isso cheira a incitação à violência, numa altura em a população encontra-se totalmente agastada com a criminalidade.

Samo Gudo, certamente, quando interveio na Assembleia da República naquela manhã preferiu ignorar  o facto de (ou se calhar nem sabe) que em Moçambique “a ninguém é licito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito” a não ser em legítima  defesa; estado de necessidade e algumas outras excepções.

Aliás, basta recordar que recentemente um artista plástico, Alexandria, confundido com os malfeitores acabou assassinado pela população na capital moçambicana. este episódio é suficiente para clarificar a anarquias e a morte de inocentes que pode resultar da proposta de Samo Gudo.


FRAGRANTE foi também a posição dos midia locais perante os pronunciamentos do deputado. Nenhum meio de comunicação social deu atenção devida à posição deste, uma demonstração de que estamos perante uma midia fantoche que serve apenas como caixa de ressonância. Mas esse é um outro assunto que em tempo devido merecerá uma atenção especial. Contudo, que fique claro ao Samo Gudo: todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal e isso nenhum deputado deve ir contra.

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